O senso das proporções


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Christian Rocha
O Expressionista – 13 de Abril de 2007

Os ambientalistas jogaram a toalha. 2007 foi escolhido como o ano do aquecimento global, uma causa muito maior do que eu, do que você, do que nós. Não importa se você joga papel de bala no mar. Importa pressionar nações inescrupulosas para que elas reduzam suas emissões de gases-estufa. Se de um lado ficamos livres de camisetas e adesivos de gosto duvidoso, por outro lado temos que suportar ambientalistas na TV anunciando a mais recente certeza definitiva e apocalíptica. Não, você não está diante de uma campanha eleitoral; é apenas o notíciário sobre ciência e meio ambiente. Eu prefiria as camisetas e os adesivos.

Estava tudo dando certo. Nas décadas de 80 e 90 os ambientalistas conseguiram conscientizar boa parte da população em relação às questões ambientais. A Eco’92 foi o ponto alto de uma trajetória que no Brasil começou com organizações como o S.O.S. Mata Atlântica e o Projeto Tamar. Internacionalmente víamos o Greenpeace e a WWF fazendo manifestações bem-humoradas, com caveiras, tinta e teatro de rua, geralmente diante das embaixadas e consulados dos países ricos. Isso comovia o cidadão comum, que costumava parar para observar essas coisas, preenchia tempo precioso dos âncoras dos telejornais e rendia fotos curiosas nas primeiras páginas dos jornais. Todos ficavam felizes.

As ONGs de proteção ao meio ambiente não eram exatamente bem-sucedidas na tarefa grandiosa de salvar a Terra, mas eram bem-sucedidas numa outra tarefa, não menos importante. Havia algum remorso por usar o carro para ir à padaria. A economia de energia — impulsionada também pela crise do setor hidrelétrico no Brasil — criava a perspectiva de dias melhores.

Na cidade em que vivo, foi um tempo de manifestações em favor dos recursos naturais. Havia caminhadas noturnas e passeios ciclísticos. Construíram uma ciclovia. Até as autoridades vestiam aquelas camisetas de gosto duvidoso. Depois disso, nada além de praias e cachoeiras poluídas e silêncio.

O que houve?

Não bastava apenas juntar-se às causas ambientais, era necessário ir além. Isto significava — como ainda significa — malhar os inimigos da Mãe Natureza, opor-se a todos aqueles que os ambientalistas consideram adversários. Os EUA não assinaram o Protocolo de Kyoto? Malditos sejam. A pobreza prejudica o meio ambiente? Pau nos ricos, nos grandes empresários, nos capitalistas, já que são eles, sempre eles, os causadores da pobreza. Não bastava separar o lixo, racionalizar o uso do automóvel, comprar produtos ecologicamente corretos, preferir produtos orgânicos. Era necessário juntar-se à luta deles, os ambientalistas.

Ocorre que não se pode servir a dois mestres ao mesmo tempo. Você consegue, de verdade, sofrer com o degelo progressivo das calotas polares e separar o lixo de sua casa? Ou você entra em pânico ou faz sua parte pelo meio ambiente. Ou você salva as focas da Patagônia ou cuida das torneiras gotejantes da sua casa. Dificilmente alguém conseguirá fazer as duas coisas, sobretudo porque a cada uma corresponde um estado de espírito diferente.

A passagem de uma estratégia — individual, educativa — a outra — global, doutrinária — denuncia os reais objetivos de quem fez da defesa do meio ambiente a sua razão de ser: poder. Por exemplo, todo ambientalista gostaria de ter o mesmo poder que o presidente norte-americano tem; sua primeira decisão seria, não há dúvidas, ir correndo assinar o Protocolo de Kyoto e tantos outros tratados que poriam os EUA sob o jugo de não-sei-quantas ONGs de proteção à natureza.

Não digo com isso que disputas de poder não sejam importantes ou necessárias; lideranças devem ser questionadas e, se ficar comprovada sua incompetência, devem ser substituídas. O que me preocupa é a desordem e a perda do senso das proporções. Eu ligo a TV ou vou a uma banca e tudo o que vejo são matérias e manchetes a respeito de como o aquecimento pode prejudicar o planeta. Da noite para o dia, todos os crimes e problemas ambientais deste país passaram a ser vistos e medidos como acentuadores do aquecimento global e produtores de gases-estufa. E assim se perde a noção de responsabilidade individual diante das questões ambientais.

O que eu posso fazer em relação ao aquecimento global? Pessoalmente, acredito que o que eu posso fazer é estudar o assunto e saber perceber quem diz a verdade e, afinal, qual é a verdade nessa história. Isso não vai mudar outros gestos meus, como separar o lixo de casa, economizar água e luz — porque com isso eu economizo algum dinheiro e reduzo o uso de recursos naturais para me manter vivo. Se houver algo mais que eu possa fazer, peça e eu farei. Depois disso eu espero que todos voltem à sua programação normal, sem pânico, sem alarde, com a consciência de que há um sem-número de coisas que participam dos problemas ambientais e que não são nem mencionadas. Apenas para citar um: fiscais florestais recebem ameaças de morte todos os dias.

Para os ambientalistas, interessa apenas que eu me junte ao time deles. Eles mesmos não acreditam nas ações que pregam ou que pregavam. Eles acreditam em derrubar os governos, países e empresas que se recusam a aceitar suas idéias. Eu lamento, mas nesta tarefa eu não vou ajudar, nem que pudesse.

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