À beira do abismo

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Há pelo menos duas décadas este é o problema brasileiro mais sério, mais urgente e mais importante. Mas isto não impediu que você dedicasse o seu tempo a outras coisas, tais como:

— O preço da passagem de ônibus, mesmo que você sempre vá pra balada de Audi.
— «A corrupção», assim, genericamente, sem citar nomes, porque não há nada pior do que desvios de caráter andando soltos por aí sozinhos.
— Cotas raciais e outras políticas racistas, pois não há nada mais necesssário num país essencialmente mestiço.
— Mais espaço para as bicicletas, porque é como pessoas inteligentes costumam se deslocar sob chuva, de madrugada, para levar o filho no pronto socorro.
— Marcha das Vadias, porque não existe nada mais cruel do que casar, vestir-se com sobriedade e lavar louça.
— «O gigante acordou», mas foi só pra dar uma mijada, ok?
— Os estádios da Copa, que você vai esquecer quando vir a lindeza toda que é aquela obra do Calatrava no Rio, para as Olimpíadas.
— Homofobia, porque tudo que os cristãos querem é matar gays, certeza absoluta.
— Biografias não-autorizadas de cantores, essa classe de profissionais que sempre fez muito pelo país.
— Beijaço e outras performances retardadas para perturbar pastor, porque essa sempre foi a melhor forma de dialogar com pessoas que pensam diferente de você.
— Resgate de cachorros, porque você manja muito de ciência e porque ser humano é mesmo uma raça maldita.
— Palmeiras de volta à série A, e você nem palmeirense é.
— Algum programa de TV aí, qualquer um, até mesmo os «de opinião».
— A pujança da economia brasileira, que vai garantir Bolsa Família inclusive para CEOs.

Você não apenas dedica tempo a essas coisas, você também gasta dinheiro bolando e adquirindo meios para lidar com o problema da violência, sem se importar muito com a própria ignorância a respeito desse assunto, com o fato de que há muito tempo você está vivendo sob toque de recolher, como aquele personagem de Will Smith em «I am legend», e com a sorte que é não fazer parte da estatística macabra apontada no link que abre este texto.

Eu não sei de você, gostaria de saber. De minha parte, recomendo o seguinte:

1) Reze.
Falo sério. «Use os meios mundanos como se não existissem os divinos; use os meios divinos como se não existissem os mundanos» — Baltasar Gracián. É claro que uma nação que vive sob as trevas de 50 mil homicídios todos os anos só não implode de vez porque existem forças superiores atuando e porque ainda restam pessoas sérias e com fé, mesmo que o cenário no Brasil seja de espiritualidade New Age mesclada ao ateísmo materialista.

2) Arme-se.
Primeiro, porque sua defesa e de sua família é sua responsabilidade. Segundo, porque há tempos o governo brasileiro tem se esforçado muito para desarmar a população civil e nada para desarmar criminosos, criando o pior tipo de desigualdade que existe: aquele em que pessoas de bem ficam cada vez mais vulneráveis num ambiente em que os maus estão cada vez mais armados. Terceiro, porque possuir uma arma ainda é possível (o porte é proibido, mas a posse em casa ou no trabalho é permitida).

3) Preserve o senso das proporções.
Não existe nada mais sério, urgente e importante do que o problema da violência. Se você não estiver vivo amanhã, não haverá sequer a possibilidade de perder tempo com um daqueles itens que indiquei no início.

4) Entenda o que está acontecendo.
Não seja como aquele blogueiro que acha que as pessoas escolhem o caminho do crime porque são pobres. O atual estado de coisas não pode ser explicado por diferenças sócio-econômicas. A raiz é mais profunda e ampla. Ou você acha que é simples coincidência o Brasil ser um dos países mais violentos do mundo e também apresentar os piores índices de educação básica?

5) Vote direito.
Jamais vote no PT. Repito: JAMAIS VOTE NO PT. No que diz respeito aos índices de violência, o país está à beira do abismo faz tempo; há 11 anos o PT governa o Brasil e o problema da violência piorou. O PT é histórico parceiro de ditadores e dos principais grupos de narcoterroristas do continente. Essa ligação deixa claro o desinteresse do PT em interferir seriamente no problema da violência, boa parte dele ligada ao narcotráfico. Ademais, enquanto as estatísticas de violência indicam um quadro cada vez pior, as prioridades do PT continuam sendo a dissolução dos valores familiares, o aumento da máquina governamental e a permanência no poder.

6) Conheça sua cidade e conheça seus vizinhos.
A atmosfera de medo esvazia as cidades, que assim se tornam o cenário ideal para todo tipo de crime. Mas as cidades foram feitas para pessoas que querem trabalhar e levar suas vidas adiante, normalmente, não para criminosos.

Para ler ou ver notícias

TV quebrada

Eu falei de desconfiômetro em meu post anterior. Então.

Na TV vejo o noticiário sobre o ataque num shopping center dos EUA, com oito mortes e o suicídio do criminoso. Um grande destaque é dado para a notícia. A correspondente dos EUA traz notícias de primeira mão, com link ao vivo. Não há adjetivos no texto. O fato não é classificado desta ou daquela forma, ele apenas é noticiado. No entanto, fala-se pela milésima vez da facilidade de comprar armas nos EUA.

Apesar da imparcialidade da narração, você vê os adjetivos quando liga os pontos, amplia o campo de visão e o foco mental para além daquilo que é noticiado e os coloca na realidade próxima.

Em São Paulo, por exemplo, a média desde o início deste ano é de quatro mortes por dia — algo em torno de 130 mortes violentas todos os meses.

Aqui não há psicóticos que querem se celebrizar com assassinatos e suicídios. Aqui não se compram armas sem passar por uma burocracia que faria o Capitão Nascimento pedir pra sair.

Aqui há, por outro lado, a banalização da vida — inclusive por parte da imprensa, que denuncia o cisco no olho do vizinho e faz que não vê a trave no seu próprio.

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Original da imagem aqui.

Punir educa


Endereço original da imagem aqui

Um dos aspectos mais importantes da questão da criminalidade é a educação. Existe um consenso a respeito da ligação entre as duas coisas.

A educação tem sido usada como plataforma de governo e legislatura de diversos políticos. Recentemente a educação foi adotada pelo presidente do Brasil como uma de suas bandeiras. Todos os dirigentes, em diversos níveis, mostram-se dispostos a trabalhar no sentido de melhorar o nível da educação neste país. Entende-se que disto dependem diversos setores de um país. Não existe ciência e tecnologia sem educação. Não existe indústria e agricultura sem educação. Não existe cultura de qualidade sem educação. Não existe organização da sociedade sem educação. Você faz algo bom hoje porque passou um tempo de sua vida estudando e aprendendo e porque afinal aprendeu o que é bom. Continuar lendo

Violência e criminalidade

Trecho de uma discussão sobre um tema que considero fundamental. Acréscimos e comentários serão muito bem-vindos.

A violência cresce porque há dois processo graves em andamento: de um lado a organização do crime, de outro lado a desorganização da sociedade.

O poder da sociedade — se um dia ela o teve — estava em sua capacidade de se organizar, ainda que apenas para combater males comuns. Há inúmeros relatos de que esse é o principal valor dos países que “deram certo”. Nos EUA, o senso de comunidade, a despeito de qualquer individualismo que possa ser usado como acusação àquele país. No Japão, é emblemática a união das pessoas durante tragédias naturais, como tempestades e terremotos; a despeito da forte influência do ocidente, a tradição ainda é algo fortí­ssimo por lá, a vontade de preservar isso também é um fator de união e organização.

Criminosos adquiriram poder quando começaram a se organizar. Complementarmente, o Estado tem sido cada vez menos eficiente ao garantir os direitos mí­nimos e a sociedade se tornou cada vez mais desorganizada.

Apenas um exemplo banal, mas que explica algumas coisas.

Uma das conseqüências do aumento da violência nas cidades foi a fortificação das residências. Muitas casas hoje têm muros altos. Uns meses atrás uma reportagem mostrou que bandidos preferem justamente estas àquelas que têm apenas gradis ou muros baixos, justamente porque no primeiro caso a visão desde a rua é totalmente impedida. Decerto os muros altos dificultam um tipo especí­fico de invasão de domicí­lio (vencer barreiras verticais), mas apenas um. E, uma vez lá dentro, o bandido terá toda liberdade para agir sem ser incomodado.

Uma leitura fundamental para entender esse processo é Bandidos e Letrados, de Olavo de Carvalho.

Sobre a violência

Numa entrevista em um programa de TV, um mestre de artes marciais recebeu a seguinte pergunta: “o que você faria se um bandido lhe ameaçasse com um rev?lver e tentasse lhe tomar sua carteira?”. O mestre pensou por uns instantes na pergunta, olhou para o entrevistador e respondeu: “Bem, eu a entregaria”. O entrevistador não conseguiu esconder sua decepção, logo pulando para a pergunta seguinte. Decerto esperava ele uma descrição frenética de alguma técnica marcial devastadora.

O episódio, que já deve ter acontecido mais vezes com mestres de artes marciais, revela ignorância em relação ao que são as artes marciais e o que é a violência, sobretudo a urbana, que nos influencia diretamente.

Artes marciais são caminhos espirituais. Por caminho espiritual quero dizer caminho de vida e a vida deve ser compreendida de maneira ampla e completa. Um caminho espiritual compreende, desta forma, corpo, mente e espírito, preferencialmente conjugados e equilibrados. A ausência dessa explicação permite que se pense num caminho espiritual como algo místico, algo que praticamente inexiste na maioria das artes marciais. Caminho espiritual significa que a prática conduz à elevação espiritual e que ela inclui, necessária e inevitavelmente, o desenvolvimento do corpo e da mente. Não existe, portanto, arte marcial genuína sem aperfeiçoamento corporal e mental.

Desenvolver corpo, mente e espírito é o objetivo de toda arte marcial, mas não o único, pois este objetivo é por demais individual. Outro objetivo das artes marciais é tornar o mundo melhor. À parte o idealismo que isso possa representar, também este objetivo é conseguido através da prática, em que pessoas diferentes se reúnem num espaço usualmente bastante despojado, vestem-se com roupas simples e discretas e praticam silenciosamente o mesmo exercício de lapidação do corpo, da mente e do espírito. Diferentemente da maioria das religiões, essas pessoas não são convidadas a cantar, a rezar ou a estudar textos sagrados, mas a treinar técnicas marciais e a interagir umas com as outras com sinceridade e respeito. Em japonês, este lugar chama-se dojo (pronuncia-se dojô). A interação é uma das principais maneiras de se aperfeiçoar o corpo, a mente e o espírito, e parte do pressuposto de que só a vida em sociedade é digna de ser vivida. É neste ponto em que podemos começar a falar da violência.

O mestre de artes marciais que tem sua caminhada interrompida por um assaltante com arma em punho não vê outra alternativa senão a de entregar seu dinheiro. Várias artes marciais ensinam técnicas eficientes para defesa em diversas situações; algumas podem ser usadas num assalto, seja para dominar o assaltante, seja para matá-lo. Poucas ensinam que não se deve arriscar a vida num assalto. Poucas ensinam que não se deve arriscar um bem divino por causa de um bem material, mostrando, desta forma, qual a verdadeira ordem das coisas.

Diante de uma situação de violência, várias atitudes podem ser tomadas. Uma delas é o contra-ataque, que invariavelmente aumenta o grau de violência da situação pois coloca as duas pessoas em combate franco, aberto e, em geral, sangrento. Quase sempre uma das duas sairá ferida ou morta. Outra opção é a defesa inconsciente e instintiva, que também pode causar ferimentos ou morte. A defesa inconsciente pressupõe consciência em relação à própria integridade, mas dispensa o defensor de considerações maiores sobre a integridade do atacante. Uma terceira opção é a defesa consciente, aquela em que o defensor evita um ataque sem recorrer ao uso de violência, sem causar danos ao atacante. É uma forma mais eficaz e mais difícil de defesa.

Enquanto as duas primeiras formas alimentam a violência ao reproduzi-la (seja na forma de ataque ou de defesa), a terceira forma de defesa busca eliminá-la desde sua origem. A defesa consciente recusa-se a falar o mesmo idioma do atacante, evitando não apenas o ataque, mas também a defesa que possa levar às mesma conseqüências de um ataque. A diferença entre a terceira forma de defesa e as duas formas anteriores não se resume apenas às técnicas que cada defensor usará, mas inclui a consideração das causas do ataque e das conseqüências da defesa.

Alguns podem argumentar que é impossível ponderar numa situação de violência. Para isso o praticante de artes marciais treina, desenvolve corpo e mente para poder responder um ataque com eficiência, rapidez e civilidade.

Há, no entanto, uma quarta forma de defesa. É aquela que se antecipa ao ataque e não dá espaço nem razões para que ele aconteça. É a forma mais difícil de defesa, pois pressupõe uma percepção apurada, não apenas do ambiente e das pessoas, mas das situações que dão origem à violência.

Isto dito, não surpreende que a violência urbana seja comum em muitas cidades brasileiras. A violência é a confluência de fatores diversos: ambiente, falta de cultura e de bases morais, presença de vítimas potenciais e indisponibilidade de meios para defesa, disponibilidade de meios para o ataque, ineficiência dos instrumentos oficiais de coibição e punição a criminosos etc. A violência nasce por uma razão muito pessoal — é o indivíduo que decide se atacará ou não outra pessoa — e espalha-se por razões sociais — pela cultura de violência que impregnou um grupo, presença de armas, pela ausência de meios de defesa, pela falta de policiamento e pela Justiça ineficaz. Perceber estes fatores e o modo como eles interagem entre si é necessário para se antecipar a um ataque, prevendo as condições em que ele poderá acontecer e, desta forma, evitando até mesmo a intenção violenta do agressor ou criminoso.

Esta quarta forma de defesa, ideal e perfeita, implica tirar do agressor ou do criminoso sua vontade de agredir ou de cometer um crime. Em termos ainda mais utópicos, isso significaria transformar a sociedade definitiva e profundamente, impregnando-a de bons exemplos e de boas ações. Claro que não há como causar essas transformações senão iniciando-as em nós mesmos.

Mesmo assim, as principais dificuldades dessa quarta opção residem no fato de que muitas pessoas justas, decentes e respeitáveis são vítimas de violência. Este fato deixa dúvidas quanto à importância de se polir o caráter, de se tornar uma pessoa justa e de se desenvolver para evitar praticar a violência e outros atos que nós censuraríamos em outras pessoas. A ética cristã — “tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” — raramente sobrevive ao exame humano, invariavelmente superficial e egoísta. Se os bons recebem como recompensa a mesma violência que vitima os maus, por que ser bom? Por que polir o caráter? Por que tratar outras pessoas com justiça e respeito? Por que se educar, estudar, aprimorar-se constantemente e evitar a reprodução da violência? Movidos por estas perguntas, pessoas que não têm caráter saem às ruas cometendo crimes e pessoas que têm algum buscam meios irracionais de defesa, tornam-se neuróticas.

Mas é por excesso de humanidade que a violência se forma. Não se pode falar em humanidade sem pensar em imperfeição e incompletude. A violência é, antes, uma forma abominável de arrogância, um modo que uma pessoa agressiva escolhe para expressar aquilo que deseja ou pensa. Disto, uma forma de eliminar a violência é perceber qualquer traço de arrogância dentro de si mesmo, revestir-se de humildade e transformar-se em aprendiz.

Por esta razão compreende-se a verdadeira vocação das artes marciais. Não o ensino de técnicas de defesa e do espírito combativo, mas o ensino da humildade, da bondade e do respeito. Todo estudante de artes marciais compreende desde cedo que a violência num dojo é inútil e inaceitável. Com o tempo ele percebe que o que se pratica no dojo não é diferente do que se vive diariamente fora dele. O espaço é diferente, as roupas e as pessoas são diferentes, mas a arte marcial lhe diz, às vezes metaforicamente, às vezes diretamente, aquilo que ele deve aprender como pessoa e qual deve ser sua atitude para com outras pessoas.

A violência é um fenômeno bastante complexo para ser compreendido e solucionado rapidamente. Lidar com ela pressupõe recusar a linguagem do mal e falar a linguagem do bem. Pressupõe, em outras palavras, dispensar a agressividade, o rancor e o ódio, e ao mesmo tempo ter caráter, humildade e respeito pelas outras pessoas, mesmo um criminoso. Diante de um crime, um homem de bem não recorre à violência, mas à justiça, que pressupõe que o criminoso seja punido e a vítima seja compensada, sem pusilanimidade e sem espírito vingativo.

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Escrito originalmente em 1º de maio de 2005.